Esdras Aurélio
Nó francês ou ponto cheio? Estêncil ou pintura à mão livre?
Antes de escolhermos o ponto a ser usado em nossas peças, ou quais cores tingiriam nossos retalhos, era necessário decidir: que desenhos são esses e o que eles contam?
Fugir do traço pronto, do desenho fácil que há muito nos é oferecido em revistas especializadas de artesanato não é fácil, e pode nos parecer como uma grande barreira a superar. Desafio proposto, desafio aceito pelas artesãs!
Era necessário nos esvaziarmos de todas as nossas referências e buscar um poético particular. Histórias que nos contassem, e mais nada. Essa seria nossa força a ser mostrada no nosso trabalho.
Aos grupos de artesanato Arte Faz União, do bairro Esperança, e Mulheres Amigas, do Vila Celeste, foi proposta uma imersão em suas particularidades, para desvelar desenhos íntimos. E nesse desprendimento do imaginário, no Arte Faz União, nos redescobrimos em nosso bairro, revisitamos nossas fotografias antigas e percebemos o quão era importante esse território de infinitas águas subterrâneas, de ruas com nomes de flores, de tempestades que levavam nossas parabólicas para além de nossos lotes, de barrancos que caíam e com eles nossas casas, nossas flores, nossas lágrimas.
O bairro Esperança foi o nosso mote! “Flores e gente” foi o nosso ponto de partida. Decodificamos nossas ruas e calçadas, nossos postes e a rede elétrica. Olhamos nossos vizinhos e para nós mesmos, a fim de nos bordar e registrar.
Ao mesmo tempo, no Mulheres Amigas nos olhamos e percebemos que o que nos unia era o prazer de cozinhar, e entregamo-nos em explosões de sabores. Reviramos as gavetas da cozinha, abrimos geladeiras, armários, nossos antigos cadernos de receitas para descobrir paladares picantes! Texturas! Volumes!
Folhear receitas ganhadas de amigas que nos amavam, descobrir quão engraçadas poderiam ser receitas que escrevemos tantos anos atrás. Bossa nova poderia ter biscoito e leite condensado, pudins poderiam ser veludo ou dourado, broches também têm geleia! Berinjelas e bananas permeavam nossos pensamentos e atiçavam nosso apetite! Desenhamos aromas que exalavam de nossas panelas e aplicamos formas à nossa vontade de comer!