Carla Paoliello e Bruna Roque
O primeiro passo realizado foi a pesquisa e avaliação da produção dos Grupos de Mulheres Artesãs locais, cadastrados na Prefeitura de Ipatinga, para definição dos dois que participariam do projeto piloto. Eram quarenta e um grupos cadastrados, tendo sido feita uma seleção inicial por telefone, excluindo os grupos que lidavam apenas com alimentos, os que trabalhavam com outras questões e os que não tinham o cadastro atualizado, sendo impossível sua localização.
Foram visitados, ao final, dez grupos e a escolha aconteceu em razão da análise do portifólio com seleção daqueles que se destacaram pela originalidade, expressividade e qualidade técnica na produção, e pela coesão e interesse do grupo em participar do projeto.
Como apresentado por Natacha Rena no projeto Asas – Artesanato Solidário no Aglomerado da Serra, uma metodologia eficaz para o desenvolvimento de capacitação em artesanato surge do entendimento de que só é possível induzir grupos a criar o novo quando se constrói um vasto repertório (informações, conceitos e instrumentalização), por meio do qual os participantes possam compreender a situação atual da arte, do design e da cultura contemporânea e que sejam capazes de, a partir daí, desenvolver futuras coleções de produtos sem a dependência da instrução de designers e artistas.
Assim, delimitaremos, a seguir, os procedimentos adotados. Vale ressaltar que, para garantia da execução do projeto, acompanhamento e discussão do trabalho desenvolvido e fortalecimento do vínculo com todos os integrantes, consultorias quinzenais eram feitas nas sedes dos dois grupos selecionados. Todo o acompanhamento foi feito por pesquisadores visando a definição de um nova linha de produtos a partir da produção já existente no grupo e dos novos conhecimentos e referências adquiridos nas oficinas. Esses encontros foram fundamentais para que o trabalho fosse colaborativo, coletivo, permanente e menos impositivo.
No primeiro encontro, foi reapresentado o projeto, esclarecendo os seus objetivos e seu funcionamento. Foi discutido e analisado o cronograma geral de atividades, assinado pelos presentes o termo de compromisso e definido o horário e locais dos futuros encontros. O grupo Arte Faz União demonstrou muito interesse em participar do projeto. O trabalho tem apoio da comunidade local e é por ela apreciado. As mulheres são cheias de iniciativa, organizam feiras e contribuem muito para a cultura do bairro, com aulas de dança e outros trabalhos voluntários. Sua produção está voltada para todo tipo de artesanato manual usando das técnicas de crochê, bordado, macramê e vagonite. Elas falaram das flores, das minas de água, dos pássaros, da taboa e das espécies de árvores e frutos que lá existem. Falaram também da época da invasão, dos meninos que o bairro perdeu por causa das drogas e do descaso público.
Já o grupo Mulheres Amigas demonstrou disposição em participar do projeto. Não foi identificada, por elas, uma referência direta com o bairro no qual o grupo está inserido. A fala do grupo esteve mais voltada para a história do grupo em si e para a amizade e companheirismo entre os diversos componentes. Foi percebido que a produção usa muito da pintura e do crochê para retratar receitas e o cozinhar.
Os dois próximos encontros foram importantes para conhecimento melhor de cada grupo e seus integrantes. Foram momentos de troca e de total abertura para o outro. No grupo Arte Faz União, algumas mulheres contaram as histórias da vida em seu bairro, mostraram fotos antigas, desenharam suas casas com os quintais, as ruas com fiações, os morros, as famílias e as minas d’água. Já outras escreveram sobre coisas que existiam no bairro e da importância do grupo na comunidade. O grupo fez um mapa do bairro com o nome das ruas de flores no qual, posteriormente, localizamos a moradia de cada artesã, percebendo assim suas ligações, afetividades e convívio. Discutimos a possibilidade de trabalhar com os mapas e todas as diversidades que existem ali. Tivemos uma ampla conversa sobre os fatos vividos por elas, o que elas gostariam de nos contar e mostrar por meio dos desenhos e deixamos que elas descobrissem, em seu próprio mundo, os elementos e sujeitos dessa história.
No grupo Mulheres Amigas, cada artesã trouxe os cadernos de receitas com algumas ilustrações dos pratos e contaram suas receitas preferidas. Falamos sobre os ingredientes que elas mais usam, as frutas, raízes e ervas das melhores receitas. Propusemos que elas começassem a desenhar os itens citados, para aperfeiçoar o traço livre e pensar numa forma ilustrativa de ver e usar a receita. O grupo desenvolveu vários desenhos das receitas preferidas, mostrando cada objeto e a relação que se tem com eles. Incentivamos as mulheres a criticarem seus próprios desenhos e os de suas companheiras, evidenciando e entendendo o olhar sobre o próprio trabalho, e falamos sobre nossos pontos de vista e sobre a inventividade de cada desenho. A ideia era criar um olhar apurado e crítico sobre sua produção, entendendo as preferências e os caminhos a serem seguidos.
E, no próximo encontro, o grupo Arte Faz União trouxe desenhos, bem expressivos, de suas vidas e contaram por meio deles muitos fatos do bairro, como era o dia a dia, os medos e as alegrias. Percebemos uma história de luta e determinação. Como no grupo anterior, fizemos uma mesa-redonda expondo cada desenho e deixamos que cada uma avaliasse seus próprios desenhos e procurasse neles uma expressividade, algo que chamasse atenção e pudesse falar por si só. Descobrimos o que elas gostam, do que e por que gostam e com que gostariam de trabalhar, as técnicas e possibilidades de cada uma. Foi um trabalho para forçar o olhar crítico sobre elas, sobre o seu bairro e suas vidas. A ideia era fazer com que elas se apaixonem, assim como nós, por seus desenhos e histórias. Foi um exercício de entendimento e valorização de cada processo.
Após esse contato inicial, foram realizados encontros para aparecimento e fortalecimento da identidade em cada grupo.
Na quarta semana, as mulheres demonstraram muita satisfação com as oficinas e com a conferência, elogiando o trabalho dos artistas e a importância de conhecer novas plataformas para a produção, encorajando o grupo para uma postura mais investigativa. Houve uma artesã que explicou por que o artesanato é uma referência cultural e a sua importância na história de cada lugar, percebendo o valor que ela pode exercer na sociedade como difusora dessa tradição. Conversamos sobre os produtos a serem produzidos, quando elas sugeriram alguns objetos e foi decidida a nova coleção a ser trabalhada para cada grupo, os materiais e as técnicas, exposta ao final deste livro.