Carla Paoliello
Ipatinga é uma cidade cuja principal atividade é a industrial. Ela é sede de grandes empresas e é também uma cidade rica culturalmente, pois conta com a presença de diversos grupos de teatro, de dança, artistas plásticos, representantes das artes visuais, literatura e música. Paralelamente a tudo isso, cresce, a cada dia, o trabalho manual, em especial o artesanato com bordado livre.
Atualmente, quarenta e um grupos de mulheres artesãs se organizam para desenvolvimento de peças diversas, muitas vezes com desenhos e traços que, infelizmente, nada mais são do que cópias de revistas de artesanato ou da internet. Da maneira como são feitos, os riscos são desprovidos de qualquer pensamento crítico sobre a produção realizada ou da investigação de novas maneiras de se atuar.
Este cenário é contrário ao que deveria reger o artesanato. Este deveria ser demarcado por características locais e regionais, expressão de um coletivo, de um povo, de um artesão. O bordado é um fazer artesanal e, como tal, deveria nos dar pistas da situação sociopolítica, educacional e econômica de uma época, corroborando os estudos do cotidiano.
São muitas as definições existentes sobre artesanato, como também são infinitamente variadas e, portanto, difíceis de resumir a natureza exata desse processo. Katinsky, no livro Artesanato Moderno, define artesanato como modo de produção de bens que se diferencia do modo padrão de produção de bens de nossa sociedade, isto é, da indústria maquinizada e automatizada. Segundo o mesmo autor, no artesanato existe uma produção onde: a) o uso de máquinas está sempre subordinado ao operador; b) o número de operadores é relativamente pequeno, mas cada operador domina integralmente todas as operações necessárias para obter o bem proposto; c) o investimento em material e instrumentos é modesto em relação à qualificação do operador.
Já Dormer, no livro “The meanings of modern design: towards the twenty century”, dedica o capítulo “Valorizando o feito a mão” para uma reflexão sobre o artesanato em tempos de design no qual considera que a atividade industrial não deve ser entendida como oposição à artesanal. As duas podem (e devem) conviver em paralelo, muitas vezes sobrepondo-se, entrecortando-se ou aproximando-se.
Entretanto, está muito difundida a crença de que o artesanato é uma atividade marginal e em processo de desaparecimento, pois sendo uma mera sobrevivência o modo de produção pré-industrial, obrigatoriamente será substituído pela grande indústria moderna, na medida em que essa se instala. Como o artesanato não produz, a não ser em "regiões pobres", bens essenciais para a sobrevivência e, como nos países mais "desenvolvidos" o volume de negócios relativo a essa produção não é contabilizado, só raramente os economistas têm se ocupado em estudar cientificamente esse fenômeno da produção. Seu estudo tem sido feito por historiadores da arte, sociólogos, antropólogos, educadores e historiadores de um modo geral.
No Brasil, o artesanato popular corresponde a uma forma particular de corporação, ou seja, trabalhadores se reúnem em grupo para mútua defesa e interesses comuns de trabalho, como apresenta Lina Bo Bardi no livro Tempos de Grossura. Para ela, os trabalhos originais gerados pelas habilidades que estão na mão do povo deveriam configurar a produção industrial.
Assim, Artesanato para Ipatinga é um projeto piloto de apoio e incentivo ao desenvolvimento do artesanato dessa cidade por meio do design e da arte contemporânea. Nesta primeira etapa, o projeto consistiu do acompanhamento contínuo e reestruturação de dois grupos de mulheres artesãs, cadastrados na Prefeitura de Ipatinga, organização de duas oficinas de qualificação com um artista e um designer, de uma conferência para discussão sobre o bordado, além da apresentação, em duas mostras coletivas, de todo o material produzido.
Ressalva-se o motivo da proposição do artesanato como base deste projeto para se conseguir, em conjunto com os questionamentos da arte e do design contemporâneo, a valorização do patrimônio cultural, a preservação de bens imateriais, a reflexão sobre as tradições, usos e costumes e a construção de uma identidade local.
O encontro entre artista e designer com a população artesã foi fator fundamental para construção de outras maneiras de se pensar e de atuar, incentivando assim o desenvolvimento de novas linguagens artísticas, além de se desenvolver uma metodologia possível de ser reaplicada futuramente em outros grupos.
O acompanhamento quinzenal do trabalho nos dois grupos de artesãs locais e a organização das oficinas de qualificação com o artista e o designer contemporâneo foram o meio de se aprofundar e difundir a reflexão sobre as diversas possibilidades criativas que surgem da conexão entre arte, design e artesanato, fomentando um contexto de troca de conhecimentos, métodos e impressões entre a equipe organizadora do projeto, os convidados e as artesãs locais.
A organização das duas mostras coletivas significou criar a possibilidade de apresentar para a sociedade civil o encontro do fazer orientado com o fazer intuitivo, e facilitar o acesso a toda a discussão presente no projeto.
O objetivo geral da proposta foi de fomentar a interação de arte, design, artesanato e cultura; de trazer o discurso e a postura crítica e projetual da arte e do design contemporâneo para as artesãs de Ipatinga, proporcionando reciclagem, capacitação e acesso a conteúdos atuais.
Outros objetivos do projeto foram: fomentar a reflexão e o debate sobre arte, design e artesanato; promover o desenvolvimento cultural da cidade; intensificar a capacidade produtiva; ampliar o acesso ao fazer artesanal crítico; reconhecer e fomentar vocações e talentos locais; produzir coletivamente; e ampliar as oportunidades de ocupação e renda da população com o início de uma produção mais crítica e diferenciada.
Com a diversidade das atividades propostas, esperava-se trazer à tona as possibilidades de troca, a produção de conhecimento e a geração de vínculos diversos: artista e designer com artesãs, artesãs com artesãs, sociedade civil com a produção artesanal coletiva. Com a metodologia criada foi possível criar ações contínuas, regulares, sustentáveis e reaplicáveis ao final do processo, aqui apresentadas.