Boa tarde. Sabendo das perguntas da Carla sobre essa questão do bordado, tentei abordá-las de um lugar mais longínquo. Um ponto de vista que pode não aparecer tão contemporâneo. Apesar de ser completamente atual.

O que eu vou abordar são os mitos da linha. Quais são essas dimensões mitológicas, essas histórias muito antigas de nossos antepassados que fazem o fundamento de nossa cultura, nossa civilização, que continuam talvez de uma forma inconsciente a atravessar nossas práticas do bordado, do fiar ou da tecelagem.

A prática de tecer, bordar, fiar é muito antiga e acompanha a história da humanidade, porém ela não é História unicamente por meio de sua produção, mas também pelas histórias que ela permite contar e pela posição que as pessoas dão a ela dentro da sociedade. Os mitos são muito importantes para nós porque são histórias contadas pelos antepassados, mas que se tornam vivas a cada vez que elas são contadas de novo, rearticulando-se na realidade. E um mito funciona a partir do momento em que alguém o conta de novo e os outros dizem: - Nossa, mas é isso mesmo! – reconhecendo que ele rearticula e reorganiza nossas vidas. Os mitos são formas vivas de pensamento de organização do mundo, modos de se pensar o mundo na sua atualidade intemporal.

O primeiro mito que vamos abordar é um mito muito antigo (todos o são), é o mito de Aracneia que se refere à aranha, portanto é o mito da aranha.

Aracneia é uma jovem princesa da Grécia Antiga, mais precisamente, uma princesa da Lídia, que viveu há uns 4.000 anos, talvez mais, talvez antes mesmo. E essa moça tinha uma capacidade em tecer que fazia dela a mais hábil, a artesã mais exímia. E ela se sentia muito feliz e orgulhosa com a sua arte. Tanto que Athena, que era a esposa oficial de Zeus, ouve falar dessa história e quer saber por que essa moça tem tanta capacidade. Então a deusa se fantasia de velha para poder visitar Aracneia. A jovem princesa mostra seu trabalho e pretende ser melhor do que a deusa Athena na arte do tear e diz isso para a velha. Então a velha, que é Athena, a desafia para tear uma tapeçaria e Aracneia aceita o desafio por achar que era tão boa que ninguém seria melhor que ela. Ela começa a fazer a tapeçaria e nessa tapeçaria ela conta os amores de Zeus, o esposo oficial da Athena, aquela que estava fantasiada de velha. Conta que Zeus foi seduzir fulana, e aquela outra, e ninfas, etc. Aracneia faz uma tapeçaria tão maravilhosa e tão bonita que todo mundo acredita nessas histórias. Athena fica furiosa, porque ao mesmo tempo em que a tapeçaria era maravilhosa, ela falava que a velha era chifruda.

(Plateia) – Talvez a fofoca tenha surgido daí.

Mas, quando você fala de fofoca, você sabe muito bem que o trabalho das bordadeiras é sempre acompanhado de muitas falas sobre os amores dos outros.

Então, o que aconteceu é que Athena ficou tão furiosa que transformou a jovem princesa da Lídia em aranha, que continua assim eternamente tecendo a sua teia. A origem das aranhas e a origem do trabalho de tapeçaria estão completamente unidas.

Já no século XVII, o pintor Velásquez, um dos grandes pintores da Espanha do período barroco, faz esse quadro, hoje conhecido como “as fiandeiras”, mas que de fato conta a história de Aracneia e Athena, que é típico da pintura barroca, ele mistura a atividade das fiandeiras com uma cena da mitologia. Isso no século XVII. E hoje?


Hoje temos, mas infelizmente ela acabou de morrer dois meses atrás, a grande artista francesa radicada nos Estados Unidos, Louise Bourgeois, que esculpiu ao longo de sua vida enormes aranhas, entre outras obras. Aranhas gigantescas que se chamam “mamãe”. Essas aranhas se chamam “mamãe”, mas elas são de certa maneira uma ligação que Louise Bourgeois faz com sua própria mãe e a Aracneia da mitologia grega. Os pais da Louise Bourgeois tinham como ofício o restauro de tapeçarias antigas, eles trabalhavam nisso. A mãe da Bourgeois era uma excelente artesã, enquanto o pai era mais do tipo Zeus, que corre atrás de qualquer mulher. Então ela vivenciou isso enquanto criança, ainda mais que sua professora particular foi seduzida pelo pai, a mãe sabia disso, fazia de conta que não sabia, e por aí segue a história.

Quando ela faz essa obra, em 2007, já está com quase 100 anos. Ela chama essa aranha gigante de “mamãe”, mas ao mesmo tempo é o mito de Aracneia que se torna, de novo, presente, por meio do trabalho da Louise Bourgeois. Ela faz também um monte de outras coisas diferentes, como bordados, basicamente lençóis bordados que servem para chorar, os quais têm neles todos textos e imagens que têm a ver com o choro. Temos aqui toda uma história que é da arte contemporânea, mas que é tão antiga quanto os mitos da antiguidade grega.


Outro mito da antiguidade grega é o das Três Parcas. Quem são essas Três Parcas? São as figuras mais antigas da mitologia, cujo nascimento nem está registrado. São três irmãs que têm como tarefa fiar, medir e cortar a linha da vida de cada um de nós. Desde os tempos imemoriais da antiguidade o fio da nossa vida, a linha do nosso tempo é fiado, medido e cortado pelas Três Parcas. O trabalho das fiandeiras fatais é exatamente o que mede a nossa vida. Por exemplo, “há um fio do tempo” – por que falamos assim? Por que vivemos uma linha do tempo, uma linha da vida? Nós falamos ainda isso, falamos isso desde os antigos gregos. E quando falamos em bordados, em trabalhos de linha nos vem imediatamente a ideia de segurar o tempo, que alguma vai cortar, e outra mede.

Nessa pintura maneirista tem-se a fiandeira, fazendo a linha, a que mede com o novelo que tem que enrolar todo o curso da vida e essa terceira no centro com o gesto fatal do corte. Ao longo da história da pintura há várias representações desse tema. Porém, hoje não fazemos representações na pintura, as artes de certa maneira deixaram de ter essa relação diretamente descritiva ou representativa com a mitologia, mas continuamos falando do curso da vida, da linha do tempo, de cortar a vida. Então, quando vocês fazem o bordado, quando vocês lançam a linha, vocês estão também fazendo uma tensão do tempo, do tempo que passa... Vocês sabem o quanto se tem que ser paciente para fazer um bordado, o quanto o tempo do bordado é alongado, porque é sempre uma questão de tempo, de como segurar o tempo que está presente dentro desse trabalho de fiar, tecer, bordar.


Então, vamos de novo falar do jeito de lidar com o tempo por meio do trabalho da linha. Nesse caso estamos falando de Penélope. Ela é a rainha da ilha de Ítaca, esposa de Ulisses. Ulisses, depois da guerra de Troia, nos tempos míticos da Grécia, sai navegando pelo mar Mediterrâneo, encontra medusas, monstros, gigantes, ciclopes, além de um monte de mulheres com todos os seus perigos. Demora dez anos antes de voltar pra ilha de Ítaca; enquanto isso, Penélope, sua esposa, mãe de Telêmaco, tenta segurar a solidão. Só que ela é, ao mesmo tempo, uma rainha muito bonita, cobiçada por 108 pretendentes, que entram no palácio de Ulisses e tentam seduzi-la. Tanto que o pai de Ulisses sai do palácio porque não aguenta tanto cortejo com a nora. E ela resiste, porque ainda ama Ulisses.

Então ela trama uma estratégia, ela começa a tecer. Isso é muito interessante porque, quando ela começa a tecer, ela se torna uma mulher indisponível. Na geração dela, as mulheres precisavam bordar o seu próprio enxoval, e elas não casavam enquanto o enxoval não estivesse pronto, completo, acabado. A regra dizia isso. É interessante que na Grécia antiga a suspensão do tempo e da disponibilidade da moça para se casar dependia também desse trabalho de tecer. Mas a estratégia de Penélope, fazendo esse tecido, é simples: o serviço não pode terminar enquanto Ulisses não voltar. Na frente dos 108 pretendentes, de dia, ela tece e, de noite, ela desmancha o trabalho do dia. Por isso ela fica eternamente indisponível, criando uma estratégia de linha e de tempo.


(Plateia) – Quando a gente leva esses mitos para uma realidade mais recente, podemos dizer que a turma dos anos 40, 50 fazia o enxoval pra casar, como minha mãe, que fez 9 enxovais. Elas também tinham essa tradição, de bordar para casar, ao mesmo tempo que elas tinham essa estratégia de não terminar o enxoval.

Exatamente. Elas faziam a mesma coisa que Penélope, não fazer o enxoval porque não queriam casar. E, às vezes, o faziam às pressas.

Voltando à Penélope, numa noite uma empregada dela a viu desfazendo seus bordados e contou a todos. Os pretendentes ficaram enfurecidos, então ela teve que arrumar outra estratégia, que também fala de linha. No palácio, Ulisses, antes de sair, tinha esquecido o arco, que era muito resistente e difícil de armar. Penélope lançou um desafio a seus pretendentes. Quem conseguisse colocar uma flecha no centro do alvo ganharia sua mão. Porém esse arco era tão duro e resistente que ninguém conseguia envergá-lo. E, nesse tempo, Ulisses voltou, ficou escondido e se fantasiou de velho mendigo para ver a situação de Penélope. Afinal, depois de 10 anos fora, queria saber quais eram os sentimentos de sua mulher, e ele não sabia muito bem o que estava acontecendo. Então, com ajuda de Telêmaco, ele vai fantasiado de mendigo, e depois de nenhum dos 108 conseguir acertar o alvo, ele vai lá e pergunta: eu posso? E os outros respondem: Ah que isso?! Um pobre mendigo. Tudo bem, pode tentar.

Para surpresa de todos, ele acerta o centro do alvo e revela a Penélope que ele é Ulisses. Aproveitando que estava com o arco em mão, matou todos os pretendentes. Nessa hora, ela ficou um pouco sem saber, um pouco na dúvida. Você não é um mendigo? É realmente o rei de Ítaca? Então ele pede a ela: Faça uma pergunta de algum segredo nosso. Penélope pergunta: como é nossa cama? Qual é a característica marcante de nossa cama? E ele responde: A nossa cama tem um pé que é uma arvore que eu plantei no quarto. E era verdade! O que é muito legal, a história de um viajante, que vai ao redor do mundo, mas a cama dele estava enraizada na terra de sua ilha, mas esta já é outra leitura do mito. O que nos interessa, nesse caso, é que Penélope conseguiu, igual talvez às mães de vocês ou às avós de vocês, segurar o tempo com a agulha, ou nesse caso com a linha que suspendeu o curso do tempo. Isso é a força dos bordados que vocês fazem e continuam fazendo.

Agora vamos passar de uma antiguidade grega para uma mitologia que também vai se parecer longínqua para vocês, mas geograficamente muito mais próxima: vamos passar para a mitologia dos índios Maxakali.

Os Maxakali, ou os Tikmu´um, como se autodenominam, formam um povo indígena que mora em Minas Gerais, no Nordeste do Estado. É um povo muito interessante pela riqueza de seus mitos que continuam fortes e sempre reativados pelos rituais que seus membros continuam fazendo diariamente e que articulam suas vidas, permitem a permanência num mundo que lhes é globalmente hostil.

Eles nos contaram várias histórias deles, de seus mitos, e de uma forma muito interessante vocês podem perceber que na antiguidade grega que faz o fundamento da nossa civilização, se temos mitos que relacionam as mulheres e as linhas, nos Maxakali também há vários mitos de origem que são completamente ligados ao tear, ao fiar e à tecelagem. E esses mitos também têm a ver com a possibilidade de segurar o tempo e a origem.

Então, contarei uma história. Há nela alguns momentos um pouco brutais.


Antigamente - começa-se assim -, as mulheres se casavam com mulheres. Os homens não conseguiam namorar. Só caçavam. De manhã, uma mulher conversou com a mãe e disse: Meu marido não está fazendo nada comigo! Só caça! Então a mãe ensina à filha: Faça uma linha grossa com imbaúba.

A filha fez e não deu certo, e a mãe resolveu fazer uma linha mais grossa ainda, uma linha para virar sucuri. Vocês sabem que os índios têm essas possibilidades, que nós perdemos, de se tornar animais, plantas... Perdemos essa possibilidade há muito tempo, mas eles continuam. Então ela enfiou a corda pelo ânus da filha, que foi virando sucuri. Nessa hora, a filha pediu à mãe que a levasse para uma lagoa grande. Foram para uma primeira lagoa, e nela ela não ficou; foram para uma segunda mais profunda, e nessa ela permaneceu. Aí, ela começou a assoviar como fazem as antas para atrair seu marido que só pensava em caçar. E conseguiu. Cercou-o e o engoliu. A moça virando sucuri comeu o marido. Mas ela não tinha dentes - os mitos indígenas têm essas precisões. Ela não tinha dentes, então o marido foi engolido e não se feriu. Seu marido pegou uma pedra e foi cortando a barriga da sucuri para se livrar; quando saiu da barriga da sucuri, tinha virado arara.


Esse mito é muito rico de sentidos, vou tentar desvendar alguns. Nele a linha é um subterfúgio feminino que nesse caso permite virar sucuri, que permite à mulher não somente amarrar, se transformar no que vai cercar o esposo, mas o comer, o engolir, e fazer dele um marido de verdade. Quer dizer que, quando o marido entra na mulher, ele não é mais caçador, ele é esposo. Então essa ideia da sucuri engolir o esposo é a premissa dos atos sexuais, da possibilidade do amor físico entre mulher e homem. Isso por meio de uma linha.  A força da linha aqui não é unicamente segurar o tempo, mas a força da linha do trabalho feminino é amarrar o marido e fazê-lo marido, não apenas caçador. Uma fábula, mas ao mesmo tempo uma realidade, porque desde esse tempo as mulheres continuam fiando. Elas fiam até as cordas dos arcos. O que aparece contraditório, porque, ao mesmo tempo em que elas fiam na base desse mito original que faz com que elas sejam mulheres que têm marido de verdade, elas, com a mesma técnica, fazem a linha do arco que reenvia os maridos como caçadores. Elas têm o poder completo nesse caso.

Agora vamos ver como as técnicas de fiação dos Maxakali são interessantes e testemunham as possibilidades de interação com o meio que são de certa maneira uma das bases do artesanato, junto com a necessidade de transformar o mundo.

Aqui está a imbaúba que foi derrubada na beira da estrada. É uma árvore muito importante no manejo florestal, porque é a primeira que vai aparecer para substituir a floresta depois de uma derrubada, então o fato de trabalhar com Imbaúba tem uma dimensão ecológica porque, ao serem exploradas tem-se a certeza de que vão crescer de novo. Mas não são todas as imbaúbas que as mulheres Maxakali usam. Por exemplo, não usam as de folha branca, e, ao mesmo tempo elas sabem que, segundo o lugar onde cresce a árvore, na encosta do rio, no meio da floresta, etc., a fibra da casca que vai ser colhida terá uma coloração diferente.


Essa árvore possui o tronco vazado, que serve de refúgio às formigas, formigas que mordem e deixam uma ferida. Então para catar imbaúba sem serem feridas pelas mordidas das formigas, as mulheres têm uma técnica. Durante três dias antes da colheita, elas bebem a seiva da imbaúba, e ao beber a seiva elas viram um pouco imbaúba. Isso porque muitas das possibilidades indígenas de virar “outro” partem da possibilidade de comer o outro ou comer o que ele come. Parte dos parentescos indígenas se faz por meio da troca de comida, de sangue. É por isso que, antigamente, os índios comiam seus inimigos, para se apropriar deles. Esse é o fundamento da antropofagia, não é canibalismo.

Bom, ao beber a seiva da árvore elas viram imbaúba e assim as formigas não as picam. Uma vez a árvore derrubada, a fibra da casca do último terço do tronco da árvore antes dos galhos superiores vai ser destacada em longas faixas. Vocês podem perceber que já a casca parece com a sucuri do mito. Depois essa casca será raspada com pedras, seca na sombra e vai virar uma fibra clara que será fiada na coxa. Aqui se tem várias imagens de mulheres fiando na coxa o que logo depois será tecido num trabalho de malhas com as quais elas vão fazer coisas diferentes.



Às vezes, não tem imbaúba, nem casca de imbaúba, então as mulheres usam outras fibras como, por exemplo, o que chamo de casca de branco. Eles costumam receber doações de roupas, desfiam essas roupas, e, refiando a linha, fazem outro trabalho. Mas nesse caso o processo é contínuo, você vê a camisa virando linha, virando bolsa. Ou, às vezes, elas usam sacos de arroz ou de laranja, que é uma fibra de plástico, então se torna mais difícil, porque queima a coxa na hora de fiar, mas faz uma linha muito resistente. Dessas fibras fazem novas sacolas que têm uma resistência incrível. Então, tudo pode ser apropriado, mas isso não muda nada em relação à origem mítica, só amplia as possibilidades.

É um trabalho que não é de tecelagem, porque não temos o cruzamento de linhas em trama. Aparenta-se muito mais ao crochê ou ao tricô no qual uma mesma linha é retorcida sobre ela mesma. Mas é feito sem o movimento do crochê, pois não há instrumento e não tem nó. Vocês sabem que no trabalho de crochê cada ponto é um nó, e o trabalho que as mulheres Maxakali fazem é fluido. É simplesmente a torção da linha no ato de fiá-la que permite que ela se enrosque sobre ela mesma, construindo o trabalho malha por malha. É uma malha fluida o que faz com que ela seja completamente elástica, uma malha bastante fluida que se adapta às formas que ela contém. Tem somente um nó no início e um nó no final. Você pode colocar qualquer objeto dentro da bolsa que ela se adapta à sua forma, mas, depois que esvaziada, ela volta a ser um objeto bem regular.



Isso (a malha) vem da história que eu contei de enfiar uma linha grossa no cu, mas que serve para criar coisas maravilhosas, uma adaptação completa das origens do mito para hoje se tornar uma bolsa que pode carregar qualquer coisa, como um celular.


Nesta imagem, vocês veem uns sacos de arroz sendo fiados na coxa, dando uma linha muito resistente e forte, mas que queima a índia na feitura do fio. E tudo isso permite inúmeras variações, chegando a trabalhos que são altamente sofisticados, como aqui onde vocês podem observar um trançado comum, mas que embute algumas sementes que são colocadas no trabalho do trançar. Olha só, uma malha toda encravada de sementes que passa delicadeza.



Há outro trabalho também. As mulheres são pescadoras, porque elas, como sucuris, são as que entram na lagoa. Então, aqui a fibra da imbaúba tem uma finalidade muito vital que é de fazer rede de pescar. Temos um arco de madeira e a malha da rede, que cria um objeto muito bonito e completamente usual.

Vejam que imagem sintética das mulheres pescadoras. Este desenho do Gilmar é maravilhoso, porque, ao fazer a rede de pescar, ao usar a rede de pesca, elas são a rede de pescar. Como já disse, os índios têm a capacidade de se tornar outras coisas, então nesse caso as índias, que são fiandeiras e pescadoras, se tornam rede.

Estes desenhos mostram os diversos tipos de pontos. O primeiro é o ponto chamado de escama-de-peixe, e o segundo é o ponto pata-de-jacaré.
Vocês podem perceber pelo ponto que não existe nenhum nó.


Entre essas duas origens, essas duas mitologias tão distantes, simplesmente podemos observar que a questão da linha, do fiar, da tecelagem, do bordado, numa questão culturalmente feminina – desculpem-me os homens que bordam, mas os homens têm também a possibilidade de expressar questões femininas, mas nessa questão é exclusivamente feminina. O que podemos ver nos mitos é que o trabalho da linha dá um poder enorme às mulheres, desse de segurar o tempo, de poder até reverter o tempo como Penélope fazia, de definir o cumprimento da linha da vida e de segurar os homens, engoli-los, de segurá-los, etc. Por meio dessas mitologias, temos aqui delineada uma parte enorme do poder das mulheres entre as linhas, o mundo e os homens.