O artesanato não quer durar milênios, nem está possuído da pressa de morrer prontamente. Transcorre com os dias, flui conosco, se gasta pouco a pouco, não busca a morte, tampouco a nega: apenas aceita este destino. Entre o tempo sem tempo de um museu e o tempo acelerado da tecnologia, o artesanato tem o ritmo do tempo humano. É um objeto útil que também é belo; um objeto que dura, mas que um dia, porém, se acaba e resigna-se a isso; um objeto que não é único como uma obra de arte e que pode ser substituído por outro objeto parecido, mas não idêntico. O artesanato nos ensina a morrer e, fazendo isso, nos ensina a viver. Coloco esta frase do Sebrae para dar início à minha fala.

Discutir artesanato, hoje, é falar de expressão, cultura e mercado. É falar do resgate da identidade regional, valorizando as tradições , adverso a massificação e uniformização dos produtos industriais.

Espera-se que um produto artesanal revele suas origens e que suas técnicas agreguem valor e autenticidade aos objetos tornando-os diferenciados e originais. 

Porém este não é o artesanato encontrado nas feiras e mercados popularesCom produção cada vez mais homogênea e pasteurizadaos objetos apresentados estão carregados de um falso tradicional e com produção em série. 

É certo que para conseguirmos a continuidade dessa atividade é preciso renovar-se junto à sociedade, caso contrário esta será esquecida. Já dizia Giddens, a tradição não é inteiramente estática, porque ela tem que ser reinventada a cada nova geração. Ao adquirir a prática material, o artesão a reelabora de acordo com a sua realidade social, mesmo que ela carregue normas legitimadas pelo tempo (processo de formalização e ritualização). Até porque a experimentação estética constitui-se em um ato individual (subjetivo) de percepção e resignificação.

Quem também nos conduz a pensar que a tradição acompanha as mudanças sociais é Bornheim, que a define como um conjunto de valores criados pela sociedade e que, portanto, sofre mutações na medida em que homem se modifica. O artesanato “tradicional” é fruto de um saber cujas técnicas e signos foram amadurecidos e aceitos pelas pessoas por meio das sucessivas apresentações e reelaborações.

Acredita-se que associar o design e a arte ao artesanato é uma forma de alterar o rumo da produção atual, avaliando seu sistema de produção, readequando-o à demanda e expectativa do mercado, questões do design, e associando aos produtos a postura crítica e expressiva particular da arte.
Entende-se aqui design não apenas o produto acabado, mas todo o processo da concepção do produto e análise de tendências futuras, modos de vida, costumes e novas crenças para o desenvolvimento do homem e seus objetos.
“A técnica artesanal do ornamento diferenciava os objetos, a técnica mecânica da indústria torna-os idênticos: de fato, à técnica do artesanato correspondia a uma concepção da vida como autonomia do indivíduo, à técnica da indústria corresponde uma concepção da vida que coloca o indivíduo como uma unidade na série...”

Entretanto, enquanto a produção industrial acompanha a modernidade, determinando um ritmo funcional, estético e econômico à vida cotidiana, a produção artesanal busca, nos fazeres da tradição, o sentido da continuidade.

E é na transformação respeitosa do artesanato que entra o papel dos designers, conforme já colocado por Borges. Ao apresentar o conceito de mercado e consumo, ao analisar o sistema de produção para propor melhorias, avaliar as técnicas e materiais envolvidos, entender os aspectos ergonômicos e de desenho universal, o design conseguirá modificar o artesanato para que este sobreviva no mundo atual, sem perder sua riqueza e a diversidade regional.

É interessante pensar na contribuição do designer para a produção do artesão e também do caminho inverso, ou seja, na contribuição do artesão na formação do designer. A manualidade, os segredos e gestos da memória do saber na construção dos artefatos são tão importantes quanto os fatores ergonômicos, perceptivos, tecnológicos e econômicos.

Já a arte terá outro papel fundamental quando associada ao artesanato. Sua colaboração acontecerá principalmente na área da expressividade e busca de identidade da produção.
O entendimento do sistema econômico, político e social, o significado da produção realizada, a história cultural de um povo e as conexões com a vida cotidiana são pontos a serem explorados pelo artesanato. Ao inserir, nas obras a serem feitas, um olhar crítico, intuitivo e questionador será possível obter, ao final, uma produção artesanal mais expressiva e particular.

No Brasil, têm sido cada vez mais promovidas iniciativas para a inclusão social, potencializando suas vocações produtivas. Aqui, apresentamos em destaque algumas dessas ações.

O projeto principal que visa à renovação e valorização artesanal é o Programa Sebrae de Artesanato, que tem como desafio promover a articulação dos diferentes atores que integram os Arranjos Produtivos Locais e criar uma ambiência que favoreça o surgimento e fortalecimento de micro e pequenos negócios na agenda das localidades e/ou regiões. Busca-se um desenvolvimento que integre, de maneira sincrônica, as dimensões sociais, econômicas e cognitivas. O programa contribui para fomentar o artesanato de forma integrada, enquanto setor econômico sustentável que valoriza a identidade cultural das comunidades e promove a melhoria da qualidade de vida, ampliando a geração de renda e postos de trabalho.

O Projeto Piracema, impulsionado pelo Sebrae Nacional e realizado por Eloísa Crocco e Marcelo Rosenbaun, pretende sensibilizar a comunidade de artesãos da Serra Gaúcha para a criação de produtos identificados com as peculiaridades regionais. Essa é uma das propostas do projeto, que prevê a realização de ações voltadas para a aproximação entre design e artesanato por meio de seminários teóricos, trabalhos práticos e vivências criativas. O processo envolve designers e artesãos, com o objetivo de instrumentalizá-los para uma troca de informações, trazendo para o design o conhecimento da tradição e, para o artesanato, sua ampliação como atividade sustentável.

Por este meio, desenvolvem-se novas possibilidades para a comercialização e inserção no mercado atual, ampliando, assim, o potencial turístico da região. O projeto objetiva, para isto, resgatar a identidade cultural por meio da iconografia local e, a partir de uma coleção, ampliar as redes de comercialização, distribuição e produção, desenvolvendo a difusão da memória cultural, qualificando e valorizando tanto o artesão quanto o produto final, e criando uma conscientização dos impasses do mercado atual.




Outro projeto é o Artesanato do Mar de Dentro, desenvolvido no Território da Cidadania da Zona Sul do Estado (RS) e que reúne, ao mesmo tempo, a qualificação profissional de artesãos da região, gerando renda para suas famílias e o estímulo a preservação ambiental, por chamar a atenção a um dos maiores santuários ecológicos do Rio Grande do Sul.

As técnicas utilizadas são costura, bordado, crochê, estamparia, biscuit e são apresentadas em diversas formas, com foco no público infantil. Ao ver o projeto, ficam em evidência a beleza e a importância destas criaturas silvestres, que, hoje, dependem da proteção humana, para compensar tempos de caça, pesca e destruição de seu habitat.




A Associação Com-Viver é uma organização não governamental, reconhecida como instituição de interesse público, que trabalha na qualificação e valorização das famílias do bairro Nova Esperança, em Ipatinga. A Associação presidida por Rogéria Heringer e coordenada por Célia Xavier e Beatriz Maria Xavier Perpétuo se iniciou para criar um novo lugar para o desenvolvimento das crianças que moram nas regiões carentes da cidade, oferecendo um conjunto de atividades psicopedagógicas com foco na evasão escolar e nos problemas de aprendizagem. Paralelo a este trabalho, eram desenvolvidas atividades artísticas, manuais e socioculturais e oficinas profissionalizantes para as mães, proporcionando melhoria na qualidade de vida dessas famílias. Atualmente, uma parceria entre Com-Viver, Banca de Design e o curso de Arquitetura e Urbanismo do UnilesteMG vem desenvolvendo produtos autênticos e expressivos, inter-relacionando a cultura local com a regional.

O trabalho realizado na Com-Viver não se limita somente a ensinar a bordar, mas a gerar uma possibilidade de verbalização, uma maneira de contar a história de vida e do cotidiano de cada uma das bordadeiras por meio de agulhas, linhas e panos. O projeto Fotografia Bordada, por exemplo, é um processo que inicia-se na pesquisa de lugares de referência na cidade Ipatinga e no ensinamento dos princípios básicos da fotografia digital para a comunidade. O processo consiste em fotografar a cidade, para se obter o registro de lugares, usos e costumes e se construir uma memória local e de vivência com cada uma das bordadeiras. Ao final, as fotografias são transformadas, por meio de softwares de edição de imagens, em desenhos para serem bordados.




Além desses, outros exemplos poderiam ser aqui apresentados. Sabe-se que em um país onde a maior parte da produção nacional não é proveniente da indústria de alta tecnologia o diálogo entre design, arte e artesanato deverá se tornar cada vez mais possível. Acredita-se que a relação desses universos será capaz de contribuir para o processo de renovação cultural nacional. E talvez esteja neste processo a solução para a afirmação de nosso artesanato e a recuperação de nossa cultura do saber fazer.